quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

DESABAFO

DESABAFO DE UMA EX-ESPOSA DE USUÁRIO DE CRACK

Acho muito interessante como vivemos numa sociedade medíocre e hipócrita.
Os jornais relatam notícias. As pessoas já começam a ter opiniões formadas sobre o assunto. Alguns condenam : " Devia matar todo mundo...", outros satirizam: " Deviam dar uma quantidade suficiente pra esse povo consumir e morrer de uma vez...", e outros sentem pena: " Deus tenha misericórdia...".Mas eu tenho algo pra dizer:
Tenho um recente ex-marido que usa crack. Estávamos juntos há cinco anos e dia 19 de dezembro completar-se-iam dois anos de casamento.
Eu NUNCA usei crack, graças a DEUS. Mas o crck ACABOU com a minha vida.
Eu tinha uma vida antes de conhecer o crck. Ouvia falar dessa droga como algo bem distante da minha vida, já que essa era uma realidade bem distante da minha.
Tinha uma casa média, um carro médio, uma profissão média. Um ex marido médio. Minha vida era MEDÍOCRE. Mas eu tinha sonhos, muitos sonhos. Tinha inocência e achava que o mundo poderia ser bom e as pessoas também poderiam mudar.
Eu olhava complacente a difícil vida de alguns e tentava entender como aquelas pessoas não sabiam que a felicidade não estava em nada e em ninguém e isso era o grande sucesso para trazer a felicidade para nós.
Um dia, após alguns anos de desilusões amorosas eu conheci alguém.
Confesso que não era o momento e nem o lugar certo. Era um reveilon, uma festa cheia de gente disposta a bagunçar e curtir a vida e eu, na verdade nem queria estar ali.
Eu conheci a droga que destruiria minha vida.
Eu olhei para aquele homem, na verdade um menino na época e senti apenas uma atração. Pensei que aquele era o momento e o lugar para curtir apenas uma aventura.
Ficamos juntos naquele dia, e no dia seguinte, e no outro dia, e nos dias em que se seguiram. Dia 1 de janeiro de 2012 completaria cinco anos. Cinco anos em que minha vida que era linda, colorida e cheia de alegria se transformou em um filme de terror, um drama, cheio de pânico, desespero, tristeza, decepção, ansiedade.
Eu não sabia que ele usava drogas quando o conheci. Não sabia nada da vida ele. Ele era apenas um desejo, desejo pelo seu corpo e pelos seus beijos.
Ele não aparentava ser usuário de drogas, era forte, saudável, sociável.
Mas isso bastava? Isso basta pra se conhecer alguém?
Ele era envolvente e interessante, e me conquistava a cada dia, embora algumas atitudes e situações denunciassem as falhas de caráter e o modo de vida.
Confesso: EU ME ILUDI. Preferi pensar que não me interessava nada sobre ele, mas apenas aquilo que me enlouquecia quando estávamos juntos, aquele êxtase.
Idiota, fui uma idiota.Como uma usuária de alguma droga poderosa...
Por volta de alguns meses o mesmo êxtase e loucura continuavam ( ou aumentavam?) mas as brigas, discussões, baixarias também.
Que ótimo! Por que eu continuava numa situação péssima, com alguém péssimo? Minha vida estava no topo de uma ladeira bem íngreme e muito alta disposta a despencar e eu permanecia lá, estagnada, esperando apenas ele me empurrar.
E eu continuei com essa loucura ou doença ou sei lá o que quer eu chamasse de amor.
Primeiro ano, uma droga.
Segundo ano, algo melhorou, mas sinceramente continuava tudo estranho e nebuloso, será que havia algum segredo?
Terceiro ano, as brigas eram diárias, gritarias, baixarias e até agressões. Eu decidi acabar com tudo isso.
Mas por que será que a gente aposta tanto pra perder. Por que agente aposta na mega sena achando que vai ganhar quando a probabilidade de perder é imensa? ESPERANÇA...
Numa recaída infeliz, novamente tivemos um encontro e nesse momento foi gerado nosso filho.
Ele desejou mais que tudo e eu, claro que não queria engravidar numa situação daquelas.
Mas sabe a historinha da cegonha? É mentira mesmo...E a história da camisinha que nunca tem na hora, a história da pílula que esquece de tomar, ou faz mal etc.
Conclusão: alguns muitos dias chorando e desejando que isso não tivesse acontecido até que decidi assumir com alegria e coragem a gravidez.
Que ótimo!!!! Finalmente algo bom aconteceu. Mas.... e agora???? Mais um filho pra criar sozinha??? Mais um relacionamento destruído e fracassado???
Pois é...tem pessoas que erram na vida, tem outras que erram muito e tem aquelas que fazem uma merda atrás da outra achando que vai parar no Guines Book...EU ME casei!!!
Nesta altura da situação na verdade eu acho que já não estava com minhas faculdades mentais saudáveis. Já fazia uma loucura atrás da outra.
Ok. Já ouviu aquele ditado: "Vamos começar tudo de novo?" Foi o que fiz... comecei tudo de novo... Igualzinho aos filmes de terror ou drama em continuação...
O que me parecia um recomeçar, na verdade virou uma continuação da história anterior, mas com pitadas de esperanças e muito cansaço de ver as mesmas cenas.
O bom é que nem tudo que me acontecia machucaria tanto já que tinha visto tudo.
TUDO? Não... não... Durante minha gravidez eu me deparei com a pior confirmação do verdadeiro motivo de tudo ir mal e dar errado...
Sabe como é?, quando alguém vai reclamando que está com dor, e, toma remédio, não melhora, faz tratamento, não melhora, outra coisa piora, vai em outro médico, até o verdadeiro culpado: o câncer...
Pois é o culpado não era o câncer, era o crack.
E que engraçado essa analogia por que quando alguém está com câncer a vida ganha um colorido diferente né, quem é mal fica bom, quem não gostava do doente agora vira melhor amigo, se a situação financeira fica difícil todo mundo quer ajudar, os programas de tv querem angariar dinheiro, as ONGs ajudam o paciente e sua família.
Mas o mal era o CRACK...Com o crack, a história é bem diferente: a pessoa era boa e trabalhadora, mas agora ninguém quer mais deixar a bolsa por perto, nem relógio, nem celular, nem nada de valor. A pessoa se torna uma bandida. A situação financeira piora, por que o usuário não quer trabalhar ou trabalha para manter o vício, e sua família, principalmente mulher e filhos são privados de qualquer ajuda, pois ninguém quer se envolver com medo do usuário ir assaltar a casa da pessoa generosa. As organizações de ajuda logo acionam a polícia, Conselho Tutelar e todo mundo pra se preparar pra pegar o sujeito cobrar o que der ainda pra receber e retirar os seus filhos.
A vizinhança quase fazendo um abaixo-assinado pra retirar a família do local, com medo do sujeito (bandido, nóia) que só briga com a mulher e filhos, tira as coisas de casa e não trabalha.
A mulher que trabalhava foi obrigada a escolher entre o emprego ou o marido, pois desmoralizava o serviço. As crianças vão definhando num mar de tristeza, depressão e desespero. E a mulher... a mulher continuava lá, querendo apenas superar tudo isso e ter sua vida de volta.Ter sua vida de volta? Nunca mais...

domingo, 14 de agosto de 2011

RECOMEÇAR....

Recomeçar não é fácil.
Náo é fácil para a família, não é fácil para o dependente.
Depois de uma guerra muitas vezes literalmente sangrenta, com batalhas vitoriosas e outras frustrantes, chega a hora de recomeçar.
O recomeço é apenas parte de um processo longo, cheio de medos e desafios, para o dependente e para a família.
Aqui eu falo mais da família e do usuário, pois a realidade mostra que a sociedade ainda não está preparada para enfrentar essa verdadeira epidemia.
Para a família, cada recomeço é uma esperança que nasce. Para o dependente, o recomeço é simplismente recomeçar a viver.
A família que sofre ao lado do dependente muitas vezes também recomeça a viver após conhecer bem de perto esse verdadeiro "inferno". Ao enfrentar cenas dramáticas de gritaria, desespero, dilapidação de patrimônio, agressões, noites mal dormidas, endividamento, depressão, doenças psíquicas, desemprego e todo infortúnio inimaginável, suspirar vendo seu filho retomar os estudos ou trabalho, contemplar seu esposo dormindo uma noite toda ao lado passam a ser cenas muitas vezes desejadas pelos familiares como um sonho quase impossível.
Essa vida de sofrimentos passa a ser diária e muitas vezes se perpetua por anos e anos.
Mas, para aqueles que desejam realmente VIVER, o momento do recomeço sempre chega. E esse momento as vezes chega de modo quase imperceptível para os familiares.
As vezes o recomeço simplismente chega com um claro e sonoro pedido de socorro. Outras vezes o recomeço é mais sutil e requer dos familiares uma dose a mais de FÉ.
É preciso crer que o depedente deseja mudar. E muitas vezes acreditar que o sonho tão sonhado está tão próximo de se realizar faz duvidar os mais crédulos e otimistas depois de vivenciarem essa tormenta regada a tanto desgosto e desilusão.
Esse é o verdadeiro momento em que o apoio familiar é fundamental.
A vida de um dependente químico não se resume simplismente ao uso desenfreado que fez de drogas e a todas as vidas arrasadas e perdas diversas que deixou pelo caminho. A vida de um dependente é muito mais que isso, e era algo ainda mais estranho antes disso.
A vida de um dependente se divide em três fases: antes das drogas, durante as drogas e após as drogas.
Antes das drogas muitas famílias alimentavam conjuntamente com o próprio dependente um ser que, resumidamente não era capaz de se sentir satisfeito.
Ironicamente, durante a fase de ativa de um dependente ele primeiramente se satisfaz através desse uso. Digo ironicamente pois, com tudo de bom e maravilhoso que a vida por si só pode oferecer, a droga e somente ela, em algum momento foi capaz de trazer razão e sentido à uma vida.
Na terceira fase, após o uso ativo, o dependente simplismente volta a sentir o vazio e insatisfação característicos da dependência química. E essa é a questão.
No momento em que se inicia o processo de recomeço, o dependente químico que certamente vai vivenciar esses sentimentos irracionais deverá estar preparado para descobrir os fantasmas, enigmas, maldições, genéticas e toda influência que o atirou direto ao fundo do poço.
O dependente e a família, num processo conjunto de redescobertas devem reaprender a viver. O dependente recomeça sinalizando a vontade de mudar e a família deve mudar junto.
Assim, o recomeço é parte do processo.